A cena se repete na minha mente. Marcadas na minha infância, suas gloriosas imagens em Technicolor: o Homem de Lata – tinindo os dentes, suado e acuado – o Espantalho – arregalando os olhos, estupefato e boquiaberto – e o Leão Covarde – torcendo a cauda e escondendo o rosto diante da imagem da gigantesca cabeça do Maravilhoso Mágico de Oz. “Eu sou Oz, Grande e Terrível!” brada a cabeça gigante. “Quem é você? QUEM É VOCÊ?” Ela dá um débil passo à frente, numa tentativa atrapalhada de fazer uma reverência – a doce Dorothy do Kansas, em seu vestido xadrez azul. “Eu, eu sou Dorothy – a pequena…e…mansa. Viemos pedir …” “SILÊNCIO!” o Mágico vocifera, interrompendo o pedido de Dorothy…e a minha imaginação devaneante. Na minha mente, a cena adquire um tom sépia, mas uma frase perdura – uma sequência de sílabas sem brilho, um jeito nada ideal de se afirmar diante de um governante: “Eu sou Dorothy, a pequena… e mansa.”
Escolha suas palavras com cuidado
Fazia semanas que eu estava tendo um trabalho enorme para pensar na minha “palavra do ano”. Todas as mulheres do meu pequeno grupo já haviam escolhido uma palavra. Cada uma também já havia mandado um e-mail com uma explicação, listando os motivos que a levaram a selecionar sua palavra, os versículos-chave e os objetivos relacionados à forma como ela gostaria de crescer espiritualmente através de um foco intencional naquela palavra específica durante o ano. Eu estava plenamente ciente das minhas dificuldades com controle, então eu sabia que essa era uma área que eu poderia explorar. Eu também sabia que eu precisava trabalhar em pecados ligados à ira e ao autocontrole. Mas qual palavra escolher? Será que existia alguma palavra que lidasse com todas essas áreas? Render-se? Liberar? Ceder? E então – igual àquele momento quando a Dorothy sai da sua casa de tom sépia, simples e sem graça para adentrar a vitalidade da Terra de Oz – eu me dei conta: eu não queria orientar a minha atenção para aquilo que eu poderia fazer. Eu queria uma palavra que me apontasse para aquilo em que eu desejava me tornar. A palavra, minhas amigas, é manso. Manso como a doce Dorothy do Kansas em seu vestido xadrez. Mas, acima de tudo, manso como o gentil pastor Jesus de Nazaré. Este ano, eu quero ser mansa. Mas aquela voz chata e persistente sussura, cinicamente, na minha mente: “Mansa? Isso aí não significa…fraca?” Sim, eu escolhi a minha palavra, mas verdade seja dita: eu não gosto dela. Ela fica toda molenga na ponta da minha língua e a minha mente, sempre propensa a jogos de palavras, transforma “manso” numa cria frouxa e letárgica dos pais imaginários medrosos e fracos. Mas a decisão está feita, então já é hora de explorar a ideia de mansidão nas Escrituras respondendo algumas perguntas:
- Como a mansidão é definida?
- Como a mansidão é retratada?
- Como a mansidão é desenvolvida?
Definindo mansidão num mundo de “mulheres fortes”
Talvez eu tenha exagerado um pouco sobre o meu desagrado pela palavra “manso”. Afinal, faz um bom tempo que estudo a Bíblia e eu sei, intelectualmente, que a mansidão é louvada na Palavra de Deus e é algo a ser desejado em nossas vidas enquanto cristãos. Mas, primeiro, nós precisamos confrontar a seguinte realidade: o mundo vê a mansidão na mulher, na melhor das hipóteses, como algo antiquado e, na pior das hipóteses, como um produto da opressão. Num artigo mais recente neste blog, a Mary Kassian apontou a diferença entre a visão do mundo e a visão bíblica sobre a mansidão: “Na linguagem moderna, a palavra “mansidão” carrega o estigma de um consentimento acovardado. Mas a mansidão da Bíblia – aquela manifestada por Deus e dada aos santos – é uma atitude de força, ação, volição e coragem.” Dê uma olhadinha também no verbete para “mansidão” no dicionário bíblico: Mansidão: Modo de agir pacífico e bondoso; delicadeza (Tg. 3:13). Promessas especiais são feitas aos mansos (Mt. 5:5; Is. 66:2). O cultivo de tal espírito é prescrito (Cl. 3:12; 1 Tim. 6:11; Sof. 2:3) e exemplificado por Cristo (Mt. 11:29), Abraão (Gn. 13; 16:5, 6), Moisés (Nm. 12:3), Davi (Zac. 12.8, 2 Sm. 16:10, 12) e Paulo (1 Co. 9:19). Cristo, Abraão, Moisés, Davi e Paulo? Esses estão longe de ser um bando de gente medrosa e retraída. Eles são os pais, os defensores, os guerreiros da fé – sem falar no próprio Salvador! Na verdade, eles são os ousados e os fortes, que retratam características de Deus às quais Charles Spurgeon se referiu quando disse: “O Senhor é tardio em irar-se,” porque Ele é GRANDE EM PODER. Aquele que tem poder sobre si mesmo é, verdadeiramente, grande em poder. O poder de Deus, que restringe a si mesmo, é poder de fato: o poder que amarra a onipotência é onipotência sobrepujada. Esses servos de Deus nos apresentam ótimos pontos de partida, mas e quanto às Escrituras? O que a Palavra de Deus tem a dizer sobre a mansidão?
Retratos da mansidão nas Escrituras
- No Salmo 37, versículos de 7 a 11, nós lemos:
“Descansa no Senhor, e espera nele; não te indignes por causa daquele que prospera em seu caminho, por causa do homem que executa astutos intentos. Deixa a ira, e abandona o furor; não te indignes de forma alguma para fazer o mal. Porque os malfeitores serão desarraigados; mas aqueles que esperam no Senhor herdarão a terra. Pois ainda um pouco, e o ímpio não existirá; olharás para o seu lugar, e não aparecerá. Mas os mansos herdarão a terra, e se deleitarão na abundância de paz.” A partir desses versículos, o que conseguimos extrair sobre a mansidão? Aqui estão algumas ideias:
- A mansidão descansa e aguarda com paciência.
- A mansidão não se deixa perturbar.
- A mansidão não se ira e não se enfurece
- A mansidão recebe uma herança piedosa e se deleita na paz
- Isaías 29:19 diz assim: “Os mansos voltarão a se alegrar no Senhor, e os pobres do meio do povo exultarão no Santo de Israel.”
O que nós aprendemos aqui?
- Os mansos receberão um suprimento amplo e constante de nova alegria do Senhor.
- O suprimento será tão pleno que os mais pobres dentre os crentes exultarão na generosa provisão de Deus.
- Vejam só o que encontramos em Tiago 1:19-21:
“Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus. Por isso, rejeitando toda a imundícia e superfluidade de malícia, recebei com mansidão a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas.” Nessa passagem, encontramos verdades importantes:
- A mansidão escuta;
- A mansidão escolhe suas palavras com cuidado;
- A mansidão evita a ira;
- A mansidão recebe o poder salvador da palavra com alegria.
Desenvolvendo a mansidão na sua e na minha vida
Olhamos para a visão humana da mansidão e, mais importante, para a visão bíblica da mansidão. E agora? Quais ferramentas podemos usar para cultivar a mansidão em nossas vidas? Mais uma confissão: essa não é (aham) a primeira vez que eu estudo sobre mansidão. Muitos anos atrás, eu estava estudando para preparar um devocional sobre essa passagem de 1ª Pedro 3:3-6: “O enfeite delas não seja o exterior, no frisado dos cabelos, no uso de jóias de ouro, na compostura dos vestidos; Mas o homem encoberto no coração; no incorruptível traje de um espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus. Porque assim se adornavam também antigamente as santas mulheres que esperavam em Deus, e estavam sujeitas aos seus próprios maridos; Como Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor; da qual vós sois filhas, fazendo o bem, e não temendo nenhum espanto.” Eu tinha participado, recentemente, da conferência True Woman de 2008 e, enquanto eu vasculhava o site do Aviva Nossos Corações, procurando por recursos, eu topei com uma lista fantástica desenvolvida pela Kim Wagner. É intitulada “Characteristics of a Meek and Quiet Spirit” (Características de um Espírito Manso e Humilde) e foi adaptada de um trabalho anterior feito por Matthew Henry. A lista une características de um espírito manso com passagens bíblicas para fundamentação num formato fácil de ler e muito encorajador. Meu objetivo para este mês é simples: escrever a lista toda à mão, assim como cada uma das passagens bíblicas (é uma técnica que, particularmente, me ajuda) e depois orar cada ponto dela, pedindo que o Espírito desenvolva essas qualidades em mim. Talvez você queira se juntar a mim e fazer da mansidão algo a ser desejado este ano? Assim como a Kim escreveu no recurso que mencionei acima: Mansidão é uma calma confiança, uma segurança bem firmada, é descanso da alma. É a quietude tranquila de um coração que descansa em Cristo. É o lugar da paz. A mansidão brota de um coração de humildade que irradia a fragrância de Cristo. A mansidão não é medrosa. Não é fraca. Não é débil, hesitante ou trivial. A mansidão é doce como a Dorothy. Mas mais do que isso, a mansidão é sábia, fiel, altruísta e compassiva como Cristo. É tardia para se irar, é poder sob controle, é graciosa e bela como Deus Pai. É quem eu devo ser, querida irmã. E você também.